A viajante da noite (Armando Lucas Correa)
- Michelle Leonhardt
- Mar 7
- 6 min read
Hoje a resenha é de um livro de um dos meus gêneros preferidos da vida. Amo livros de ficção histórica (principalmente romances de guerra) e, apesar da temática pesada e triste, ler o gênero faz parte da minha zona de conforto literária.
Terminei essa leitura no começo de março (o quarto livro lido no ano) e foi o primeiro favoritado de 2025 .
Vamos aos detalhes:

Título: A viajante da noite
Autor: Armando Lucas Correa
Editora: Jangada
Ano: 2023
Páginas: 400
Gênero: Romance -> Ficção Histórica.
Título Original: The Night Travelers
Minha avaliação: ⭐⭐⭐⭐⭐ (5/5)
Sinopse:
Berlim, 1931: Ally Keller, uma jovem e talentosa poetisa, está sozinha e assustada quando dá à luz uma criança mestiça, à qual dá o nome de Lilith. Com a ascensão dos nazistas ao poder e o desaparecimento do pai de sua filha, Ally sabe que deve manter segredo sobre ela, mas, conforme Lilith cresce, torna-se cada vez mais difícil mantê-la escondida. Enfrentando muitos perigos, Ally consegue mandá-la a um lugar seguro do outro lado do oceano.
Havana, 1958: Lilith tem poucas lembranças da mãe e de sua infância na Alemanha. Vivendo feliz ao lado de Martin, um piloto cubano com fortes vínculos com o governo de Batista, e com sua filha recém nascida Nadine, ela se vê em uma terrível encruzilhada quando as chamas da revolução se inflamam.
Berlim, 1988: Nadine é uma cientista que se dedica a assegurar a dignidade dos restos mortais de todos aqueles que foram assassinados pelos nazistas. Sempre evitando a verdade sobre a história de sua família, agora sua filha Luna terá que a encorajar a descobrir os fatos sobre as escolhas que a mãe e a avó fizeram para garantir a sobrevivência de suas filhas. E caberá a Luna lidar com uma traição chocante, que mudará tudo o que ela achava que sabia sobre o passado da família.
Acompanhamos inicialmente a história de Ally, uma jovem alemã que se apaixona por um músico alemão negro chamado Marcus. Isso não seria um problema caso eles não estivessem prestes a entrar no período da guerra (ou seja, durante a ascensão de Hitler ao poder). Segundo a Enciclopédia do Holocausto, os nazistas, ao chegarem ao poder em 1933, começaram a perseguir e discriminar os negros na Alemanha, que acabavam sofrendo uma série de restrições ou eram presas.
Por conta dessa perseguição, Marcus acaba desaparecendo e Ally se vê sozinha e grávida. Sua filha, Lilith, nasce em 1931, com uma cor de pele que a coloca imediatamente em perigo.
"É uma bastarda da Renânia. Você trouxe uma mischling ao mundo. Essa garota não é alemã, ela é negra." (p.18).
Assim, no primeiro ato do livro, que se passa entre 1929 e 1939, acompanhamos a vida da escritora Ally Keller e a infância de Lilith Keller, uma garotinha muito inteligente que cresce junto com sua mãe, seu vizinho Herr professor (um idoso que a tem como neta) e Franz (novo relacionamento de sua mãe). Ela tem uma infância difícil por ser negra, aprendendo desde cedo a se esconder e fugir.
Por uma decisão de sua mãe, Lilith é enviada para Cuba aos 8 anos (não é spoiler, a contracapa já fala sobre isso). É aí que começa o segundo ato do livro e passamos a acompanhar o final da infância de Lilith (agora Herzog) em Cuba, entre os anos de 1942 e 1962. Em Cuba, Lilith começa uma nova vida e tenta colocar no passado tudo que viveu em Berlim.
Nesse período ela acaba por fazer duas grandes amizades: Oscar e Martín. Durante o começo do segundo ato não há um perigo constante e iminente na vida de Lilith, conseguimos acompanhar seu crescimento e amadurecimento com uma vida relativamente normal: escola, namoro, descobertas. Ela cresce e acaba por se tornar esposa de Martín, que se torna piloto e que mantém vínculos bem próximos com o governo de Fulgêncio Batista.
E é nesse ponto que a vida de Lilith (agora Bernal) começa a mudar novamente. Após o nascimento de sua própria filha Nadine, as coisas mudam e ela se vê obrigada a fazer a mesma escolha de sua mãe: enviá-la aos Estados Unidos aos 3 anos de idade.
"Perguntou-se quem estava protegendo quem, pensando que aquele minúsculo amontoado de carne rosado, sem pelos e com olhos brilhantes como luzes, viera salvá-la. Ela tinha dado à luz uma filha. Não fora por esse exato motivo que sua verdadeira mãe, Ally, a salvara?" (p.208)
A vida de Nadine nos Estados Unidos não dura muito tempo. Aos 16 anos, seus pais adotivos precisam retornar para a Alemanha a fim de resolver questões do passado e ela se muda com eles. Na Alemanha, Nadine frequenta a escola, mas, ao mesmo tempo, vai se distanciando de sua família adotiva.
Ao terminar a escola, Nadine passa a viver sozinha e frequentar a universidade. Lá ela conhece um professor de literatura que conhece a obra de sua avó Ally. Apesar da possibilidade de saber mais sobre sua família, Nadine fica receosa e prefere não lidar com isso.
Então ela conhece Anton com quem tem uma filha: Luna. Luna é uma garotinha determinada, que está disposta a fazer de tudo para descobrir sobre seu passado e o da sua família.
"Desde o nascimento da filha, Nadine havia prometido a si mesma que abriria os olhos e reconstruiria sua história, mesmo que apenas a partir de fragmentos dispersos, porque, no fim das contas, - você é a soma de seus erros - ". (p.287)
E é a determinação de Luna que faz com que Nadine, aos poucos, consiga se abrir para um passado que mantinha esquecido. Nessa busca incessante de Luna pelo passado da família, Nadine descobre que as coisas nem sempre são como imaginamos e que nem todas as escolhas são fáceis. Ao investigar o passado da família, Nadine e Luna conseguem fechar ciclos e entender um pouco mais sobre si mesmas.
"Mas dizer - não - a Luna era como tentar deter as marés. Sua filha precisava dar um rosto a seus fantasmas." (p.350)
Opinião

Gostei bastante dessa leitura. Achei o primeiro ato do livro bem tenso. O leitor consegue sentir o medo presente na escrita e sofre junto com Ally a cada página, enquanto Lilith vive sua infância nas sombras.
"Você pode conter as lágrimas, erguer os cantos dos lábios, disfarçar as pernas trêmulas e as palmas das mãos suadas, mas o medo sempre estará lá, buscando o caminho para a superfície de algum modo e o enfraquecendo." (p.20)
Eu fiquei muito empolgada na leitura do primeiro ato e o livro me prendeu muito já que conheço bem o período histórico e suas características sociais e políticas. Achei a leitura bem fluída, bem marcante.
No segundo ato, a parte que se passa em Cuba, não fiquei tão presa nos primeiros momentos. Talvez por não conhecer a história política de Cuba em detalhes (considerando aqui o aspecto social e os sentimentos e medos reais dos seus residentes), tive que fazer várias pausas para dar uma estudada mais profunda no contexto político. Entretanto, à medida que eu ia entendendo a perspectiva dos habitantes de Cuba durante o período, a narrativa foi me prendendo novamente.
No final do segundo ato eu já estava novamente empolgadíssima com toda a tensão sendo construída.
"A vida nunca mais voltaria a ser como era antes. Um dia, talvez num futuro não muito distante, ela acordaria em uma ilha que, mais uma vez, não lhe seria familiar." (p.204)
O terceiro ato narra a parte final dessa história. É nela que acompanhamos O vida adulta de Nadine e a vida da sua jovem filha Luna. E gente, aqui que a gente descobre tanta coisa que não sabíamos, tanto do período de Cuba, como do período anterior, em Berlim.
Já não temos tantos fatos históricos permeando a narrativa, que fica mais focada na questão emocional. Através da curiosidade e do interesse de Luna no passado, vamos descobrindo sobre as vidas de Ally e Lilith após a partida de suas filhas. Também vamos observando a mudança nas vidas de Nadine e Luna.
O terceiro ato praticamente mergulha em documentos antigos, trazendo revelações que fazem com que tudo o que se sabia seja questionado. Achei uma forma interessante de fechar o ciclo, fazendo com que o leitor reflita sobre temas importantes.
"Não se pode deixar a vida carregando um fardo pesado - ouvira sua avó dizer em mais de uma ocasião. - Para alcançar o outro lado, você deve viajar o mais leve possível." (p.380)
Gosto quando livros me fazem relembrar os fatos históricos do mundo. Gosto muito de parar, reler sobre, estudar e aprofundar. Queria ter estudado história na escola assim, lendo ficção. Acho que teria sido bem legal.
Vale ressaltar que o livro apresenta notas técnicas para ajudar o leitor a se situar na história, além de uma extensa bibliografia. É bem claro que o autor tem uma relação forte com a temática. Ele conta nos agradecimentos que escreveu três romances independentes reunidos pelo MS St. Louis (você pode saber mais sobre esse navio aqui). Esse navio fez parte da infância do autor, através de histórias contadas por sua avó.
Antes dessa leitura, eu já havia lido um desses romances chamado "A garota Alemã" que também vale muito a pena e eu recomendo. O outro, que chama "A filha esquecida" eu tenho mas ainda não tive a oportunidade de ler.
Para finalizar, preciso falar sobre a capa e o título do livro. Achei que a capa apresenta os elementos da história e a arte está linda, com cores que chamam atenção. O título também tem muita relação com a história e faz muito sentido, foi muito bem escolhido.
Na minha opinião, é um livro que vale a pena ser lido.






Comments