Toda luz que não podemos ver | Resenha
- Michelle Leonhardt
- Jul 10, 2023
- 6 min read
Oiê!
A resenha de hoje é de um livro ganhador de Pulitzer. Por ser um livro de mais de 500 páginas, o post vai ser longo. Então senta que lá vem textão...

Título: Toda luz que não podemos ver
Autor: Antony Doerr
Editora: Intrínseca
Ano: 2015 (Brasil) - 2014 (Original)
Páginas: 528
Gênero: ficção histórica
Título Original: All the light we cannot see
Minha avaliação: ⭐⭐⭐⭐ (4/5)
Sinopse: Marie-Laurie vive em Paris, perto do Museu de História Natural, onde seu pai é o chaveiro responsável por cuidar de milhares de fechaduras. Quando a menina fica cega, aos seis anos, o pai constrói uma maquete em miniatura do bairro onde moram para que ela seja capaz de memorizar os caminhos. Marie-Laurie está com doze anos quando Paris é ocupada pelos nazistas, e pai e filha se refugiam na cidade de Saint-Malo, onde o tio-avô de Marie-Laurie vive em uma enorme casa à beira-mar. Eles levam consigo o que talvez seja o mais valioso e perigoso tesouro do museu.
Em uma região de minas na Alemanha, o órfão Werner cresce com sua irmã mais nova, encantado pelo rádio que certo dia encontram em uma pilha de lixo. Com a prática, Werner acaba se tornando especialista em montar e consertar esses aparelhos cruciais à época, talento que lhe vale uma vaga em uma escola nazista e, logo depois, uma missão especial: descobrir a fonte das transmissões de rádio responsáveis pela chegada dos Aliados na Normandia. Cada vez mais consciente dos custos humanos de seu trabalho, o rapaz é enviado então para Saint-Malo, onde seu caminho criza o de Marie-Laurie.
Em uma história de amor e bondade, as vidas de Werner e Marie-Laurie vão se encontrar em tortuosas circunstâncias, enquanto ambos tentam sobreviver às atrocidades da Segunda Guerra Mundial. Um suspense arrebatador, contado de forma fascinante, Toda luz que não podemos ver é um romance sobre generosidade e sobrevivência e sobre o que há além do mundo visível.
Aqui acompanhamos a história de dois protagonistas: Marie-Laurie e Werner. Marie-Laurie é uma menina que, aos 6 anos, fica completamente cega. Ela vive com seu pai em Paris e vive uma infância feliz, apesar da condição. Seu pai, que trabalha como segurança em um museu de Paris, faz de tudo para deixá-la feliz e também ensiná-la a se virar sozinha e desenvolver autonomia: desde construir uma maquete réplica exata do bairro que moram (para que ela possa passar os dedos e se movimentar pelo bairro real), resolver quebra cabeças e até estimulá-la a aprender a ler em braille, por exemplo.
"Não basta apenas fechar os olhos para tentar descobrir o que é a cegueira. Por trás do seu mundo de céus, rostos e edifícios, existe um mundo mais antigo e mais cru, um local onde os planos da superfície se desintegram e os sons se movimentam em faixas formando grupos no ar. Marie-Laure pode estar em um sótão bem acima do nível da rua e ouvir os lírios farfalhando a três quilômetros de distância." (pg. 391)
Já Werner Pfenning é um menino órfão que vive junto de sua irmã Jutta em um orfanato na Alemanha. No começo da história seu destino já parece traçado: trabalhar nas minas a partir dos 15 anos, como todos os garotos pobres locais. Entretanto, um dia, ao encontrar um rádio e fazê-lo funcionar, Werner descobre uma transmissão de um senhor francês sobre ciência e ele e Jutta se apaixonam pela experiência.
Com a guerra, esses dois protagonistas terão suas vidas mudadas.
Marie-Laurie precisa fugir de Paris junto com seu pai e se muda para a cidade de Saint-Malo, na França, onde mora um tio rico que é tido por todos como esquisito já que não sai de casa. Lá na casa do tio, Marie-Laurie precisa novamente se adaptar e conta com a ajuda do pai e da governanta da casa, além do tio. Novamente o pai constrói para ela uma maquete de Saint-Malo e ela passa a reconstruir sua vida aos poucos na nova cidade.
Enquanto isso, Werner segue na alemanha cultivando sua habilidade em eletrônica e, depois de algum tempo, se torna conhecido por consertar rádios de oficiais nazistas. Ele se torna tão bom em fazer isso que é convidado a fazer um teste para uma escola alemã de elite que prepara os jovens para guerra. E para lá ele vai, passando o restante de sua infância e os primeiros anos de sua adolescência.
"Vocês vão se desfazer de suas fraquezas, de suas covardias, de suas hesitações. Vocês vão se tornar uma torrente, uma saraivada de balas. Todos vocês vão se lançar na mesma direção, com o mesmo ritmo, para a mesma causa. Vocês vão se privar de confortos; vão viver apenas pelo dever. Vão comer país e respirar nação." (pg. 141)
O tempo passa e ambos vão enfrentando os anos de guerra, cada um lidando com diferentes realidades, diferentes problemas e diferentes conquistas e alegrias. Entretanto, alguns acontecimentos levam Werner para Saint-Malo e os caminhos de ambos os personagens vai se cruzar na cidade, levando ao desfecho desse romance histórico.
Por fim, o livro apresenta também uma trama paralela, com toques de mistério, que vai se desenrolando ao mesmo tempo em que a trama dos personagens. Essa trama paralela acaba impactando cada um dos personagens de alguma forma e agrega uma certa tensão ao enredo (sim, tensão além do próprio período de guerra que vivem).
"É difícil ter vivido os primeiros anos da década de 1940 na França e não ter a guerra como centro do que se tornou o resto da sua vida" (pg. 510)
Vou parar o resumo do enredo por aqui para que eu não deixe escapar spoilers para possíveis futuros leitores. Entretanto, segue meu ponto de vista e minhas opiniões abaixo.

Opinião
Histórias de guerra são minhas favoritas da vida. Na minha opinião, elas trazem as maiores lições em seus personagens pois eles são levados a sofrimentos extremos (situações que nem posso imaginar) e encontram diferentes motivações para seguir em frente. A história desse livro não é diferente, ela é lindíssima. Porém alguns pontos não me convenceram tanto. Vou iniciar pelos pontos positivos...
O livro é escrito em capítulos curtos e isso é ótimo pois facilita a leitura, mas confesso que neste livro isso também é um ponto negativo. A escrita é dividida em 13 partes com capítulos que intercalam os acontecimentos da vida de Werner da vida de Marie-Laurie. Cada parte narra ora os eventos no presente, ora os eventos no passado. Dessa forma, vamos acompanhando o crescimento de ambos, seu estilo de vida, seus conflitos e seu modo individual de ver o mundo (no passado) e sua vivência e seus medos (no presente). Eu, particularmente, gosto muito de histórias contadas com essa ida e volta no tempo, acho que nos ajuda a construir uma melhor visão dos personagens em enredos de guerra.
Os capítulos do passado de Werner, no início, me causavam certa impressão de que ele tinha hiperfoco em eletrônica e uma mente que conseguia se desligar do mundo todo quando estava imerso nesse foco. A descrição da montagem dos rádios é detalhadíssima. Nas partes de Marie-Laurie, percebi ela bastante sonhadora, a mente dela bem mais artística. Isso ficou bem claro até na forma da escrita e acho que fica legal essa mudança para o leitor perceber exatamente a nuance da personalidade de cada protagonista.
E a ambientação é maravilhosa. Fiquei apaixonada pela cidade de Saint-Malo e tive que ir ver na ferramenta de mapas, dar um passeio por ela e olhar os locais citados na história. Saint-malo é uma cidade portuária na Bretanha, no noroeste de França. Ela é rodeada por altas muralhas de granito no seu centro histórico, que outrora foi uma fortaleza para corsários (piratas aprovados pelo rei).
Por ser cega, as descrições de Marie-Laurie dos cheiros da cidade, das sensações de se andar por ela, dos sons... tudo é muito real e muito bonito. E a capa do livro já nos mostra um belo vislumbre do que esperar do cenário.
Mas como nem tudo são flores, essa história também teve alguns pontos negativos para mim. O primeiro ponto negativo acabou sendo uma falha em um ponto geralmente muito positivo nos livros: o fato dos capítulos serem tão curtos (uma ou duas páginas somente cada um). Os capítulos são tão curtos que o desenvolvimento da história se torna demasiadamente lento.
A parte mais bibrante do enredo, aquela que suamos frio para saber o que vai acontecer só começa por volta dos 75%. E, mesmo no final, o ritmo não se torna frenético como em outros livros, ele vai calmamente conduzindo o leitor para o desfecho.
Outro ponto negativo, na minha opinião, foi que alguns personagens simplesmente desaparecem da história em um determinado momento e depois retornam lá para o final (por serem personagens importantes para os protagonistas), mas sem muito cuidado. A irmã de Werner é um exemplo, ela se torna alguém apenas presente em lembranças dele e, quando volta, tem uma experiência pessoal do passado narrada meio que sem necessidade para o desfecho de tudo. Fiquei com a sensação de que o autor quis "chocar"o leitor com horrores da guerra, mas não acrescentou complexidade ao enredo em si, ficou "jogado lá", sabe?
Não diria que é o melhor livro da temática que eu já li. Ainda assim, achei um livro bastante gostoso de ler, daqueles que é bem melhor apreciar com calma. Uma leitura para ser feita aos poucos, justamente pela forma como a trama é escrita e conduzida.
"O cérebro obviamente está fechado em escuridão total [...] ele flutua em um líquido claro dentro do crânio, nunca na luz. No entanto, o mundo que constrói na mente é repleto de luz. Ele transborda cores e movimento. Então [...] como o cérebro, que vive sem uma centelha de luz, constrói para nós um mundo tão iluminado?" (pg. 55)
E você, já leu? O que achou? Me conta nos comentários!
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